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Reconhecida como profissão desde 2022, a atividade atrai jovens, mas carece de
regulamentação e enfrenta questões como remuneração justa e concorrência
acirrada.
Por Maressa Nascimento
A forma como as pessoas interagem na internet evoluiu consideravelmente,
transformando usuários antes passivos em protagonistas no cenário digital. Um
marco nesse avanço foi o reconhecimento oficial das profissões de Influenciador e
Criador de Conteúdo Digital pelo Brasil em fevereiro de 2022, quando passaram a
integrar a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Apesar disso, a prestação
desses serviços ainda carece de uma regulamentação específica, deixando os
profissionais à mercê de desafios relacionados à estabilidade financeira e às
condições de trabalho.
Criadores de conteúdo, também conhecidos como influenciadores digitais, são
profissionais que utilizam sua visibilidade nas redes sociais para construir
audiências e formar parcerias com marcas. Esses influenciadores atuam como
formadores de opinião, apresentando produtos e serviços às suas comunidades
virtuais.
O crescimento do setor na pandemia
A instabilidade econômica e a pandemia impulsionaram o crescimento da chamada
Economia dos Criadores no Brasil. Para muitos, a produção de conteúdo tornou-se
uma alternativa viável de trabalho e renda. Um criador escolhe o nicho que deseja
explorar, seja beleza, tecnologia ou entretenimento, e se dedica a oferecer conteúdo
relevante para um público específico.
Apesar da crescente valorização, a área apresenta obstáculos, como a falta de
garantia de renda constante e a alta concorrência. Muitos iniciantes ainda
dependem de outras fontes de renda, enfrentando dificuldades para viver
exclusivamente do trabalho nas redes sociais.
O desejo de trabalhar como criador digital tem conquistado cada vez mais jovens,
atraídos pela liberdade, visibilidade e possibilidade de unir paixão e trabalho. Para
entender os benefícios e os desafios dessa carreira, conversamos com três pessoas
que enxergam o universo digital por ângulos diferentes: uma influencer, um
advogado especializado e uma jovem que sonha em ingressar nesse meio.
A experiência de Samyra Abreu no mercado digital
Samyra Abreu, criadora de conteúdo residente no Vale do Aço, compartilhou sua
trajetória, que começou de forma despretensiosa:
“Desde nova, gravava vídeos aleatórios no computador. Em 2016, comecei a
compartilhar vídeos de cuidados com o cabelo e continuei porque pessoas me
motivavam e interagiam comigo. O momento que me inspirou a seguir foi quando
marcas começaram a me notar. Pensei: ‘Posso ganhar coisas de graça com isso’, e
gostei.”
Porém, os desafios do setor são significativos, como ela destaca:
“Meu maior desafio é alcançar um público maior e ter remuneração justa. Muitas
empresas não querem pagar pelo uso de nossa imagem, optando apenas por
permutas. Isso causa exaustão, porque editamos, nos dedicamos e, no final, não
somos valorizados. Além disso, marcas nem sempre reconhecem pequenos
influenciadores.”
Equilibrando vida online e offline
Manter o equilíbrio entre a presença digital e a vida pessoal é outro desafio
enfrentado por criadores de conteúdo. Samyra revelou que, apesar de se sentir
saturada em alguns momentos, valoriza as conexões positivas que seu trabalho
proporciona:
“É gratificante saber que algo que você ensinou influenciou positivamente alguém.
Seja na escolha de um produto, em um novo hábito ou em um cuidado pessoal,
ajudar pessoas é o mais importante para mim.”
Especialista defende ajustes nas leis da internet e organização
de influenciadores para proteção trabalhista
O advogado e Doutor em Ciências da Comunicação, Hermundes Flores, comentou
sobre a regulamentação de novas profissões como a de influenciadores digitais e
criadores de conteúdo. Ele explicou que nem todas as profissões demandam
regulamentação específica, e destacou que, enquanto algumas áreas seguem
regras rígidas devido ao interesse público, outras permanecem sob os princípios
gerais do Direito.
Regulamentação: necessidade ou exceção?
Segundo Hermundes, a regulamentação de profissões no Brasil ocorre apenas
quando há consenso político, jurídico e social sobre sua necessidade. Ele
exemplifica:
“Advocacia, medicina, enfermagem e contabilidade são regulamentadas porque
lidam com interesses públicos relevantes, como justiça, economia e recursos
coletivos. Já a maioria das funções exercidas no dia a dia não tem regulamentação
específica, mas isso não significa ausência de limites legais.”
Ele esclareceu que profissões não regulamentadas, como a de influenciadores,
seguem a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) caso o trabalhador esteja em
regime de emprego. No âmbito ético, aplicam-se as normas gerais do Código Civil,
que prevêem responsabilidade em casos de danos materiais ou morais.
Influenciadores digitais: desafios e abusos
Sobre os influenciadores digitais, Flores acredita que a regulamentação da profissão
não é necessariamente a solução para abusos:
“A solução passa pela regulamentação da internet. O Marco Civil da Internet, único
regulamento existente, já está obsoleto em alguns aspectos. A discussão no STF
sobre a constitucionalidade do artigo 19, que trata da responsabilidade das
plataformas digitais, é crucial nesse sentido.”
Ele destacou que, atualmente, plataformas digitais não são responsabilizadas pelo
conteúdo gerado por usuários, mesmo que causem danos a terceiros. Flores
defende uma abordagem mais clara para responsabilizar as empresas que lucram
com o engajamento, inclusive em casos de abusos.
Organização de classe como solução trabalhista
Para proteger os interesses trabalhistas dos influenciadores, Hermundes Flores
sugere maior organização coletiva:
“É fundamental que esses trabalhadores se unam em associações, sindicatos ou
movimentos políticos. Apenas por meio da pressão organizada será possível
conquistar regulamentações que ofereçam proteção adequada.”
A fala do especialista evidencia que, enquanto a regulamentação das profissões
digitais segue incerta, os influenciadores continuam sujeitos às regras gerais do
Direito e à necessidade de adaptação do Marco Civil da Internet para acompanhar a
evolução do mercado.
Futuro e perspectivas
Com o mercado em constante crescimento, ser um criador de conteúdo digital
continua sendo uma carreira desejada por muitos, especialmente entre os jovens.
Contudo, para que essa profissão se torne mais acessível e sustentável, será
necessária uma regulamentação mais clara e uma valorização justa do trabalho
criativo realizado no ambiente digital.
Jovens e a busca pelo sucesso na internet: liberdade e desafios na
criação de conteúdo
Mariana Moura, estudante do ensino médio, compartilhou sua visão sobre o motivo
que leva tantos jovens a sonharem com uma carreira na internet. Para ela, a
variedade de possibilidades e a liberdade criativa são os principais atrativos.
"Nas redes sociais existe muita liberdade e diversas áreas a se explorar. Você pode
criar conteúdo sobre algo do seu dia a dia, marketing, moda, futebol... É uma
oportunidade de trabalhar com algo que você ama", explicou. Mariana cita exemplos
de sucesso, como criadores de conteúdo esportivo que transformam a paixão pelo
futebol em diversão e renda, além de profissionais que utilizam as redes para
ampliar seus negócios, como no setor de estética.
Outro ponto destacado por Mariana é o fascínio gerado pelo sucesso de outros
criadores de conteúdo. "O sucesso que muito é visto nas redes sociais chama muita
atenção, porque, querendo ou não, aparenta ser uma forma mais fácil de ganhar
dinheiro", acrescenta.
Os desafios do cenário digital
Apesar das oportunidades, Mariana ressalta que o caminho para se destacar não é
simples. "Pra mim, o maior desafio é sentir que você está competindo com os outros
criadores de conteúdo. Todo mundo quer se destacar, então é mais difícil ter ideias
criativas e aparecer no meio de tanta gente", conta.
A jovem também aponta outros obstáculos, como a dificuldade em manter a
constância na produção de conteúdo e o impacto dos algoritmos das plataformas,
que muitas vezes prejudicam o alcance. "A plataforma que você utiliza nem sempre
ajuda a entregar os seus conteúdos, tornando mais difícil alcançar um público
maior", afirma.
Além disso, Mariana revela que questões pessoais, como a timidez, podem ser um
impeditivo. "A timidez paralisa, porque você acha que alguém pode zoar ou criticar.
Lidar com essa pressão é um grande desafio", conclui.
A experiência compartilhada por Mariana reflete a realidade de muitos jovens que
enxergam as redes sociais como um espaço promissor, mas que enfrentam desafios
para transformar suas ideias em uma carreira de sucesso.